sábado, 31 de dezembro de 2011

Desconstrução da imagem


Pablo Picasso
Ultimamente vem sendo assim : levanto-me, como algumas coisas e me dirijo ao espelho. Estático e sem piscar os olhos desconstruo em uma fração de segundo minha imagem, e contemplo o mosaico bizarro em que o eu familiar se transforma.
Por minutos prostrado, apenas com os olhos no lugar de costume, mentalmente começo a reorganizar os traços, reposicionar a boca (hoje ela foi parar debaixo do queixo, semana passada houve um dia em que era impossível distinguir se a orelha estava dentro da boca ou o nariz ao lado).
Neste exercício ou tormento ou desvario ou surto ou alucinação, seja o que for.... venho remoldando a maneira como me vejo por fora; por dentro é fácil, basta fechar os olhos no silêncio.
Terminada a reconstrução vem a parte difícil, olhar aquela imagem que se degrada a cada segundo que passa e me conformar que não sou e não serei jamais capaz de me ver com meus próprios olhos – o rosto jamais. Nunca! O mais próximo disso é poder vê-lo refletido numa superfície que me permita isso.
Quando criança, a maneira que mais apreciava em ter isso era à espera de uma refeição; pegava a colher e mirava por minutos àquela imagem distorcida e invertida (vulgo de ponta cabeça). Talvez mais divertido que qualquer brinquedo ou brincadeira. Tornava-me surdo e mudo, o mundo desaparecia enquanto me transportava àquele fantástico universo que havia dentro da colher...
De volta ao banheiro, onde me encontro quase deformado aos moldes do que devo parecer. Se chegasse onde vou como sou realmente seria um assombro. A minha liberdade é na imagem, no imaginário, no reflexo, na solidão, no isolamento. Sou absolutamente perfeito exteriormente, tudo no devido lugar aos olhos alheios; são uns ignorantes a meu respeito...
Se meus olhos fossem emprestados a alguém, talvez me vissem como sou, mas quem sou, o que sou, o que vejo somente estes olhos são capazes, já o que sinto é simples : basta olhar estes mesmos olhos e ver a clareza da iris, a escuridão da pupila e o branco que circunda, e a lágrima que sempre está pronta a escorrer, seja por qualquer coisa que me estimule : tristeza ou alegria, mas nada oriundo do que eles mesmos vêem, pois o que vêem pela manhã já me previne de ser enganado pela falsa sensação que me é a visão.

Festa de fogos


bom seria ver isso no céu... 
não ouvir os atormentantes barulhos
que preciso, pra ver um espetáculo de fogos
de pólvora
que apavora
minha hora
de silêncio
querendo pensar,
querendo sentir.
E pra terminar
citar André Abujamra:


'Ser cego do olho e surdo do ouvido
O mundo tá muito doente,
O homem que mata,
O homem que mente'

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Clear words (Palavras claras)


Estas palavras
Tão claras, pra mim
Aqueles sentimentos
Sem significados, pra mim

Agora vejo
Suas palavras
Simples como lágrimas
Como cristal, claras

Vendo esta tristeza
Mais profunda que a minha
De onde pingam
Algumas palavras de prazer

De saúde, suas palavras
Sobre esta linha
Fazem-me sentir eu, mim, meu

Estas dúvidas
Alguns destes versos
Que não gritam,
Soletram estas lágrimas
Cospem em meus medos

Suas palavras...
Esta clareza
Esta lágrima
Em linha
Minha vida

Clear words


These words
So clear to me
These feelings
No meaning to me

Now I see
Your words
Simple like tears
As crystal, clear

Seeing this blue
Deeper than mine
From where drops
Some words of pleasure

Of health, your words
Over this line
Make me feel I, me, mine

These doubts
Some verses don't shout
Spell these tears
Spit on my fears

Your words...
This clear
This tear
In line
My life

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Eu resto

Neste envelope sem selo
Contendo um apelo
Anexo ao pedido
Meus restos, sobras e raspas

Uns versos não meus
Conservo entre aspas
Dos meus cacos afiados
No esmeril chamado vida
Que arde e queima a ferida

Entrego meus restos de versos
Sentimentos reversos de apreço
Sem preço te vendo
Sem posse te dou-me

Me junta
Reconstrói
Cata-me, eu que sou resto
De tudo que sobrou
E que presto
Presto, veloz me faço teu
Querendo ser eu resto todo inteiro
Do que sou te me dou
Resto que sou

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Não inferno

Não inferno
imagem de Marcelo Castro

Vejo no centro
Uma musa, garçonete obtusa
Oferece-me fogo e não fujo.
Curioso, teimo, pego e não me queimo.

Diz-me ela : ‘fique tranquilo
Aqui não é inferno,
E esse fogo que não arde
É a tua liberdade!’

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

E vi (dedicado a Ivy Brasil)


Uma pequena homenagem a colega e poeta que partiu...

E vi pouco
E vi declamar
E vi bater palmas
E vi ajudando
E vi-me a rir de uma peça

Que peça da vida
E vi
E vejo
Agora,
Ivy nos deixou...
Mas seu melhor ficou

E vi gente triste
E vi gente chorar
E vi, saudade.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Estampa


Neste rosto pálido
De aparência gélida
E tanto, que as lágrimas
Estampadas nos ossos das maçãs
Congelam-se e param

Empedernido observo
Teu falso sentir
A ausência de desejo

Nem ao menos mudar
O corte de cabelo
Sem me deixar tocar-te
Secar este gelo escorrido
Deste teu falso lamento
Meu desalento, arremedo...

Como se sente fingindo não sentir
O que sente e sentindo por mim
O que finge não sentir e que diz
Não, me deixe em paz!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cansaço



Cansaço é pouco
E quando muito é demais

Estou farto de rimar
Modelo e cabelo
Passo com descompasso
Calma e alma

Minha rima me cansa e desarruma

Difícil rimar cansaço
A sílaba que quero não alcanço
Por exaustão e por ser terminada
Em repouso.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Minhas trovas

Se fossem poéticas
Apenas ilustrariam
Um ridículo menestrel
Tal amante sem mel

Um beijo maldado,
Fel!

Doce lua,
A míngua no céu
Crua rua,
Cambaleante, andante
'the piper at the gates of dawn' *

Ilustre poeta de reversos
Desavisado de que suas letras
Não passam de desenhos opacos
De sentimentos fracos
Vindos de frascos deixados
Ilustres, ele ébrio,
E os desejos vazios...

sábado, 5 de novembro de 2011

A morte de Beatriz

         Sou irmão gêmeo de Beatriz. Não somos idênticos, obviamente pela diferença do sexo, mas no mais somos, ou fomos quase idênticos. Fisicamente muito parecidos, cor de pele, cabelo e uma diferença que mais me incomodou durante a vida toda: a cor dos olhos. Ela tinha dois olhos maravilhosos, expressivos e arrasadores. Arrasadores em qualquer sentido, tanto no olhar quanto na simplicidade da cor. Ímpar. Jamais vi ou verei cor de olhos como a dos dela. Se não a amasse diria que a invejava por isso, mas nunca tive este sentimento em relação a ela.
Há alguns anos não nos falávamos. Uma desavença devido a maneira de pensar em relação às coisas simples da vida, uma questão de orgulho e soberba de ambas as partes nos afastou e manteve longe, até que hoje pelo início da tarde recebi a notícia de que estava morta. Um cara, que nem sei quem é, simplesmente a matou. Réu confesso.
Ao que parece foi uma coisa passional, uma pessoa desequilibrada. Talvez tornado assim pela profunda beleza de Beatriz e seus olhos, a cor alva de sua pele, seus pingos de melanina, a cor acobreada e os cachos de seus cabelos, e muitos encantos que de tão intensos podem perturbar qualquer juízo masculino. Nem sei eu o que faria se não fosse irmão. Talvez impossível ver uma beleza como a dela. Sem desmerecer qualquer mulher, mas a beleza de Beatriz não era de passarela ou capa de revista, seus traços do rosto nem muito alinhados ou dentro de padrões do belo tradicional da contemporaneidade. Impossível não achá-la linda depois de conhecê-la de perto.
Nem bem sei se sofro pela sua ausência ou se por mim mesmo, que não tive tempo de me redimir perante meus erros, os que nos afastaram. Ambos tivemos sua parcela de responsabilidade, mas de um de nós sempre partira a iniciativa do pedido de perdão, da admissão da tal culpa. Detesto esta palavra : culpa! Minha infância foi dominada e regida por esta maldita palavra. Somente lá pelo final da adolescência fui reconceituar o significado do sentimento que colocam o nome de culpa. Resolvi mudar o nome para 'responsabilidade'. Não foi por mágica, mas responsabilidade não me causa sentimento ruim e culpa sim, causava-me!
Até esse maluco que tirou a vida da Beatriz, eu não o culpo de nada mas tenho plena consciência da decisão dele, matar Beatriz, e de fato matou, e de fato é responsável por isso. Basta olhar nos olhos dele, não se vê culpa nenhuma, pensa com seus botões que fez o que deveria fazer e sabe que foi responsável por isso, contanto que se confessou prontamente.
A primeira coisa que me veio a cabeça foi suicídio. Nada feito, minha vida está muito boa no momento, livre de crises existenciais, família tudo em ordem, trabalho de vento em popa. Senti um profundo desejo de matar o sujeito. No afã da confusão mental durante o recebimento da notícia de sua morte, lembrei-me apenas do ressentimento guardado devido a nossa desavença, de que se alguém tivesse direito de tirar a vida de Beatriz seria eu, apenas eu, mas recobrado o juízo e um pouco mais calmo abrandou-se a ira e aos poucos tomei consciência do que realmente havia acontecido. Daí então me veio a tal ideia do suicídio. Durou pouco com um simples exame de consciência.
Mas olhando os fatos : Bia está morta e eu devo tomar as providências para a cerimônia. Papai e mamãe já se foram, graças a Deus. Acho que não suportariam viver essa situação. Mas até chegar ao lugar para onde me dirijo preciso matá-la dentro de mim, pois quem não suportaria vê-la morta realmente, sou eu. E é fato que daqui a instantes a verei.
Então me pergunto como faço isso. Creio que somente gêmeos entendem do que falo ou talvez não, mas é fato de que durante este caminho irei cometer um suicídio pela metade, terei que matar dentro de mim uma pessoa que durante muito tempo foi uma extensão do que sou. Olhar Bia de frente era como me olhar e me ver sendo mulher, com exceção dos olhos, os meus e os dela claros, mas de cores diferentes. Um espelho para o qual, creio, somente eu tive o privilégio de olhar.
Pois é amada irmã, mataram você e eu pensei em tirar minha vida. Mas parte dela me foi tirada pelo lado de fora, cabe a mim tirá-la por dentro, sendo assim Bia, te suicido dentro de mim.
Adeus!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Senha


Abram-se todas as portas
Com palavras retas
E poemas tortos
E ouvidos bestas


Abram-se todas janelas
Que as feias
De calcinhas e meias,
Calçolas e camisolas
Querem dançar


Fechem todas as bocas
Que a poesia quer
Que a prosa cale


Façam da língua faca
Afiada no pescoço,
Da moça, do moço


Língua escrita
Vontade bonita
Calem-se todos e não digam
Senha nenhuma!


Sua senha para me ouvir
Sou eu quem fala:
--Cala a boca!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ciência exata

Escrever é preciso
Uma ciência exata
Saber sintática
Saber gramática

Escrever é preciso.

Pingos nos is,
Vírgulas,
Rimas.

Ah! Inferno de precisão.

Dicionários
De rimas
Sinônimos
E antônimos

Escrever é preciso
É precioso
É poderoso.
Quando escrevo sou poderoso,
Liberto-me de fantasmas.

Liberto-me porra nenhuma
Apenas os aprisiono
Atrás das grades destas linhas

E volto sempre pra vê-los
Aprisionados heroicamente por mim,
Minha caneta
E meu caderno
Mas quando me olham
Por de trás das grades,
Escarnecem.
E dizem que quem está preso
Sou eu!
Do outro lado das grades
Aprisionado na precisão da escrita.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

De braços e lápis dados continua . . .


"Caro senhor Joaquim; primeiramente peço-lhe perdão pela liberdade tomada nesta carta já que nosso relacionamento sustenta poucos anos de superficialidade cotidiana, fato que tornaria quase injustificável uma confissão como a que eu farei. Mas a questão é exatamente essa: eu não estou aqui com a finalidade de estreitarmos nossos laços, muito menos possuo qualquer ilusão de que o senhor poderá, por meio destas ............................... "    clique acima, para ler interio!

Rotina

Na superficialidade cotidiana
Dos cordiais 'bom dias', 'bom descanso'
Eu muito manso, quieto...
Descobri uma moça.
Que me fez deixar de lado
O olhar obsceno, do desejo pequeno
Aprendi o olhar simples
Que não traz desejo, angústia

Olho-a, rezo-a
''Te tenho uma reza"
Sempre digo a ela!

Ladainha dentro do pulso
Sinto e ressinto, mas não engano,
Não minto, só omito!

Ah o tal amigo do Joaquim...
Não sou eu, e de quem falo é moça
Que me espreme e força
A não querer mais do que devo

A rotina, desse Joaquim, parece banal
A minha um conforto
Absorto na graça austera,
Complicação sincera,
Pensamento célere
Vê-la na surpresa da imprevisibilidade
De sua cotidiana elegância,
Alternância...
Um dia lentes
Noutro óculos

A moça, vejo todo dia
Dia a dia,
E a cada um que passa
O outro pra trás...
Que bem poderiam ser
Seus passos em minha direção
Vindo entregar-me uma carta
Dizendo...

Ah! nem é preciso dizer...

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

domingo, 2 de outubro de 2011

Quitanda (a Eça de Queirós)

...escrito talvez numa tarde de maio em 2011

Talvez deva mesmo
 Abrir uma boa quitanda
 Dedicar meu precioso tempo
 Em algo útil, vender comida, fruta.
 Lindas mangas, brilhantes de cor intensa

Subjugo meus sentimentos a outro
 Que deveras não irá senti-los
 Minhas doces mangas
 Ah estas sim, sentirão de fato o sabor.

Entrego-me despido
 Sem pudores moralistas
 Pensando ser altruísta
 Que alguém se identifique
 E o que vivi lhe sirva de ajuda

Ledo engano
 Vou é vender fruta
 Mesmo.

‘Bom dia senhora’
 ‘Obrigado pela preferência’
 ‘Tchau, até amanhã’

Quanta gentileza!

Apodreçam meus versos
 Todos na gaveta
 Amadureçam os frutos
 Todos na prateleira

Um livro meu?
 Só se for do fluxo de caixa
 Da minha nova empreitada.

Minha prosa e poesia serão encaixotadas
 Junto das berinjelas velhas
 Chicórias murchas
 Tomates podres

E depois jogados
 À terra virgem
 Para servirem de adubo
 A algo que cresça
 E sirva para alguma coisa

Minha quitanda vai chamar-se:
 Livraria.
 E vai ter livro com casca
 E fruta com capa
 E versos de cebola
 E cachos de letras
 E abobrinha do tipo prosa
 E poesia do tipo goiaba

E verde...
 Só Cesário.
 E eu...
 Vou ser empresário.

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Parece que ao fim da vida, Eça de Queirós disse que teria sido mais útil a sociedade se tivesse aberto uma Quitanda.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Asas

imagem do filme Der Himmel über Berlin - 1987 (Asas do desejo) de Win Wenders

Asas(Original em Português por Guilherme Coutinho)
Tenho-nas,
Não me permitem o voo
Como pássaro

Duas delas que não me libertam
Da razão, da exaustão de voar parado

Duas delas que uso mantendo-me preso
Num voo sem vento, sem encanto

Sobrevoo rasteiro
Meus delírios, pensamentos
E insanidades...

Asas, minhas asas
Que me servem de carrascos
De algozes, que me condenam
A aspiração do infinito intangível.

Wings (versão de Guilherme Coutinho)

I have them both
And do not allow me the flight
as a bird
Two of them, do not set me
Free
From the reason or exhaustion
Still fly where I stand

I use both
Keeping me trapped
In a windless flight, no charm

Overflight creeping
My delusions, thoughts
And insanity...

Wings, my wings
That serve me as executioners
Or torturers, that condemn me
To the aspiration of the infinite intangible


Wings
(Versão de Dani Maiolo)

I have them
But those, don’t allow me the flight
Like birds

My wings don’t free me
From reason, from exhaustion
From a stopped flying

The two wings I have
Keep me tied
In a fly without wind, without grace

Creeping overflight
My delusions, thoughts
And insanities…

Wings, my wings
Those, that just serve me as tormentors
From tortures, that condemned me
The suction of unachievable infinite


Thanks Dani Maiolo :-)
Inspirado nuns versos de "D. Feathers" de Bettie Serveert


"...
Now the wings have clipped the bird instead
and claimed its head.
..."


D Feathers (Bettie Serveert)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ophelia, a orquídea de Antonia

         Nunca escrevi um texto a pedido de alguém, sempre há uma primeira vez!


Coitada das duas, da Antonia e da Ophelia, a Antonia que pensa que é a dona da Ophelia e da Ophelia que vive presa num vaso dentro de um apartamento, nunca experimentou a liberdade de estar na natureza, é cria de cativeiro... Na floricultura pelo menos tinha a companhia das outras orquideas sem donos e sem nomes. Coitado mesmo sou eu, que nunca leu Sheakspear e nem sabe da história da Ophelia, e mais coitado ainda se Caeiro me visse falar isso de uma planta. Meu Deus! Falar que uma planta é uma coitada. Eu não sei nada a respeito da morte dele, mas se foi enterrado está se revirando no túmulo! Coitado do Caeiro se pudesse ler esta bobagem que escrevo...
Eu estou aqui, olhando para uma foto da Ophelia florida, tentando imaginar o que ela sente ou pensa. Ela não sente ou pensa é nada. Ela é que é feliz! Não tem cérebro, essa porcaria que só me enche a cabeça...
É...
Viva a Ophelia que não tem cérebro, que não sabe que exite mas existe, que não sabe que é orquídea e sabe florir, que não fala e nem escreve. Se é feliz? Provavelmente não, plantas não lêem e nem escrevem dicionários pra definir, não criam conceitos de nada, só fazem o que interessa : existir. Mas se sentisse alguma coisa com certeza seria felicidade, por deixar a Antonia de bem, feliz por cuidar de uma planta pela primeira vez na vida e eu feliz em descobrir que sou um idiota tentando fazer de conta que é uma planta pra sentir e escrever como uma delas...
É Ophelia, você sabe florir, alegrar, perfumar... e eu... só te olhar numa foto porque a Antonia pediu uma historinha...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Gotejante

Escrito após ler o conto . . .

CONTA-GOTAS de Mariela Mei
Como se fosse um balde
De baixo de um lustre velho
Por onde faz escorrer lentamente
Umas gotas, poucas amiúde,

D'água suja de ferro
Escorre, pinga
De tempo corre

Gotejam meu pensamento
E o sentimento
Na superfície de lâmina líquida
Extravaza seu conteúdo

Tempo,
Gota,
Persiste na desordem
Dessa coisa estranha e linda
Dessa conta que não finda
Tamanha
Tamanha gota
Que conta dor
Da gota, última que falta

E vai cair!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Apenas uma sombra na lembrança

Escrito após ler o conto . . .

Crônica do interminável anseio de Mariela Mei
Mordo faminto uma sombra
Da sua lembrança,
Mastigo a penumbra de sua partida
E engulo seco a sua ausência.

E sinto ânsia
Não sei se de ver você novamente,
Ou de nó que fecha esse embrulho
No estômago,
Na garganta.

Saudade de ver impressa no chão
A sua delicadeza, sob a porta
De baixo da arandela
Eu sempre a espera
Sabia quando era você,
Mesmo antes que entrasse...

Não pelo som ou cheiro e sim
Na silhueta desenhada no chão.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Pedreiro ou poeta?

Não sou um pedreiro
Construindo um muro

Meu labor não tem hora
Nem resulta em obra
Não me sinto artista
Nem construtor ou poeta
Ajeitando palavras e rimas
Uma em cima da outra
Como se fossem tijolos
Unidos por argamassa
Produzindo um muro
Duro
Em pé!

Sou um reles engenheiro
Que inspira poesia
Respira sentimento
Inspira ar
Respira ar
Lê o que gosta
Escreve o que não gosta


Recuso-me ser
Recuso-me agir
Recuso-me não sentir


Ajeito sentimentos
Por entre as palavras
Deito pela boca o excremento verbal
Mas o desenho em letras e
Fodam-se métrica e rima
Estrofes e versos
Chuto tudo e arrebento
Esta estúpida poesia
Construída como muro.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Enquanto passavas

Enquanto passavas
 
Enquanto por mim passavas
Distraída, eu quase inexistente
Aos teus lindos olhos de cor comum
Castanhos e sóbrios por de trás das lentes
 
Em tudo me concentrava
No poema de Cesário e no som ritmado
De teu caminhar elegante, tranqüilo
E de uma sutileza infinitamente distante
De um andar insinuante.
 
Queixo elevado, sem nariz empinado
Postura tida em auto-estima
Sem soberba alguma
 
Tudo isso te misturou à Milady
Dos Deslumbramentos de Cesário
Eu, não vejo perigo em contemplar-te
Já que não impões toilettes complicadas
E nem gestos de neve ou metal
 
Mas tudo o que lia
Enquanto passavas
Vestiu-se como luva
Ao momento e à minha admiração
 
Fala-me de teus defeitos
Não sejas a perfeição que vejo
Tropeça ao menos uma vez
Para que possa me fazer de cordial
E te estender em arremedada gentileza
Minha trêmula mão que quer tocar
O que mais me seduz em teu corpo
Tuas delicadas mãos, que têm
Mais elogios do que dedos.
Nelas não há sequer um engano
São a beleza em carne e osso
 
E em ti, sempre um segredo
Guardado nestas mãos,
Tuas mãos
Que enquanto passavas
Nem sequer me tocaram,
Mas me encantaram.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

É assim que te vejo

Sinto-me à vontade diante do branco
Em posse da pena e tinta
E da outra que sinto, por mim mesmo
Do medo e acanhamento em dizer-te
Sobre o que sinto e vejo

Não enrubesço, não demonstro
E nem também disfarço
Ou tampouco me esforço

Um dia entrego-te estes e outros
Os diversos versos que te dedico
O reverso do que oculto
E o amor que quero e ainda não sinto

Se não gostasse de escrever
Tudo seria mais simples
Fácil e objetivo, mas não tenho objetivos,
Pretensões, vontades vãs e vis

Só espero nunca ser óbvio
E nem mistério
Ser amigo sempre
Simples, sincero
Beijar-te primeiro as mãos
E inevitavelmente tudo o mais
Que me permitires, que quiseres
Simples seria olhar-te
E dizer como és talvez a mais bela
Como és talvez quem eu queira de fato
Como és talvez de quem não quero talvez

Simples sim, seria ser simples
E conseguir dizer-te o que quero
Que é só fazer com que saibas
O quanto és admirada,
Querida, desejada.
Não simplesmente só bonita
Porque se fosses apenas isso,
A mim serias justamente mais uma qualquer...

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Nosso olhar

torno-me cego
não sou, não tenho ,não vejo

neste encontro, que dum olhar cruzado
de corpo deixado, tudo de lado

toca leve, contigo me leve
me lava e larga a alma
me alarga a vontade
do beijo que dissolve
meu ego, minha dor
de saudade de ver
ser ou ter, querer sentir ou tocar

quando teus olhos me vêm
não sei se os vejo, pois meu desejo
não se come com olhos
não se engole com boca
não digere no estômago

quando estas luzes
convergem ou divergem
este prisma chamado
encanto, que os espalha
por todos os cantos

o que nos olhos vêm
quando só nossos olhares
se encontram e é só deles
o amor que nos emprestam ao corpo

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O homem atrás do bigode

um verso do "Poema de sete faces"(Carlos Drummond de Andrade)

O verso

Que desejo de posse.
Que verso esse?
Brilhante sonoro
Um gozo sentido
Que tanto o adoro?

Tanto o verso
Tanto o gozo
Só não quero
Ser esse homem
Sério, forte e simples
Que tem bigode
E quatro olhos
Se fossem...
Ele eu,
O verso meu,
Seria é esconder
De si
De mim
De todos

Verso este
Queria-o meu,
Não posso
Gosto dele
Onde está
Muito dele,
Quem o escreveu.

Graças a Deus
Bigode e óculos e verso
Não são meus
O verso...
Que pena.
Mas rendeu
Esse dedicado poema.

O bigode

Detesto bigode
Não tenho um
Para não ter que ficar atrás dele

Penso eu que esse homem
Não tem bigode nenhum
É o bigode que o tem
De tão enorme que é.

E o coitado nem sabe
Que lá está
E nem que não é de si mesmo
Ele é do bigode!
Pode?


O bigode e os óculos
Vou fugir do tema proposto
Fazer tudo ao meu gosto
Sabe quem esta história me lembra?
O homem de bigode e óculos
Agora tem nariz e sobrancelhas.
Lembraram-me do Groucho
Que de rir me deixa frouxo
Como este verso
Que nem se quer me deixou ler o poema inteiro...

E você

Pense o que bem quiser
Não posso lhe aprisionar
Na insanidade das minhas convicções
As mesmas que te querem livre
Brincando
Nos jardins da desordem
Dos meus sentimentos

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Atômico

Átomo
Indivisível,
No pensamento assim primeiro
Hoje se sabe muito
E continua...
Invisível
Sabe-se tanto
De quase tudo
Que até dele,
Que faz o que é tudo,
Dá para acabar com tudo
Mas não com ele.
Nele, órbitas
Partículas, ondas
Ondas-partículas
Partículas-ondas
Altera-se o átomo
Explode-se a bomba
“A rosa radioativa estúpida inválida”
O cogumelo venenoso.
De que me interessa
Explicação destas coisas
Que findam em destruição
Que findam em cura
Que findam em vida
Que findam em morte

Paradoxo freqüente
E ele sempre o mesmo
O todo poderoso átomo.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Lilith

Depois de tudo
Destruído
Ruído

Deu-me de um pedaço
De mim
Que nem sequer fui questionado

De meu lado
Mutilado
Parte arrancada
Transformada

Que me fez cego
E desobediente

E outrora
Houvera
Bela
Por entre as eras e heras

A que me criara
A que me dominara
A que não me oferecera
Nada

Nem companhia
Nem culpa
Somente presença
Não do lado
De onde a outra me foi tirada

Sim em frente
De frente
Em princípio sem rosto
Em princípio sem nome
Em princípio sem toque
Em princípio sem voz

De mãos que falam
De rosto imóvel
De carícia...
Sem presença
Sem desespero

Dá-me essa mulher!
Devolve-me essa costela!
Sou dela
Agora...
Inteiro dela

E para refeição
Serpente!
Serpente ao molho de maçã...
Por que entre eu ela não há pecado
Nem da carne
Nem da gula
Nem de nada

Espuma do mar

Zeus, que susto!

Um homem robusto
Que a acompanha,
Ao sair desta água que parte
E parte dela salgada
Por meu desgosto
Em vê-la acompanhada

Antes fosse saída como Afrodite
Dos colhões de outro deus arrancados
Jogados ao mar, e de espumado
Saiu-lhe A deusa.

Vil desejo...
Sei que passa
Tanto ele; desejo, quanto ela
Onda que vejo, quero e desisto.

E este encanto foi como
A própria de onde saiu
Bateu a beira e voltou atrás
Espumou intensa e dissolveu-se

E eu,
Como "o tolo do Orfeu" *...
Dane-se ela, pseudo-Afrodite
Afogo-me mesmo
No encanto da minha Eurídce
Que é o rio que passa constante
De infinitas curvas...
Que tanto faz se insinuantes ou não.


* parte de um verso do poema Sem Lenda de Flá Perez

terça-feira, 9 de agosto de 2011

As horas não passam

Num momento sou leão
Enjaulado num zoológico qualquer
Noutro tempo sou apenas
Bicho homem preso em pé

Ando, ando, ando...
Circulo único
Ciclo de passos
De ponteiros, pêndulo
Paredes que me cercam
Relógio pendurado

De um para outro
De lado a lado
Preso, enjaulado

Tanto faz se leão
Tanto, fez-se animal, homem
Tanto faz se jaula
Tanto faz se casa

Tanto faz Tanto faz
Tic
Tac
Tic
Tac

Tanto faz...
Tempo faz
Tempo vai

Que horas são?

Desejo é veneno

Alguns deles matam
Outros somente necrosam

Ser entregue à sorte
Do portentoso e coriáceo

Inquebrável o pote que o contém
Inabalável o mote que advém

É vaso de sangue ausente
Anseio inconsistente
Indesejável resultado
Não presente, ainda por vir

Se sorte houver
Talvez prazer
Lamentado o não realizado

Sofrer enquanto espera
Sofrer se não houver feito
Sofrer quando acabado
Sofrimento há de ter
De qualquer jeito
Seja desejo feito, mal feito ou...
Satisfeito torna-se fardo
Troca-se o almejado.
Insatisfeito agora
Com o dantes desejado

Veneno espesso
De serpente vertido.
De repente morrido.

Viver desejo é sofrer à sorte do sabe-se lá o quê.
Melhor desejo é decidir não tê-lo.

sábado, 6 de agosto de 2011

Completamente livre

Vivo preso num hospício
Chamado ‘meu corpo’
Aprisionado dentro da carne
Contido pelas amarras
Das necessidades fisiológicas

Vivo preso num manicômio
Que se chama ‘minha mente’
Repleto de jardins,
Fontes e estátuas de musas,
Infindáveis rebanhos errantes
Nas colinas azuis dos delírios
Das árvores cheias de maritacas

Vivo completamente livre
Em um lugar chamado
Sociedade, livre do que quero
Livre do que espero
Livre das minhas ideias

Sou insano e comportado
Louco e consciente
Responsável e doente
Crente na anarquia
Que existe plena
Nas prisões em que
Sou plenamente livre

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Não pertenço

“Quando escrevo visito-me solenemente” (Fernando Pessoa)

Quando leio me descubro não ser eu
Dou-me por completo a uns poucos versos
Que mal compreendo,
Nem sei bem se dizem o que estou a entender.

Mas e daí?
Tanto faz, quando leio abandono-me solenemente
Ponho-me no esquecimento de que não pertenço a meu corpo
E nem sei mesmo se o sinto,
Versos me possuem, me arrancam de dentro não sentimentos
Arrancam-me sutilmente da quietude fingida
Nos momentos de sobrevivência.

Adoro comida, comer, dormir e não ler nada.
Um absurdo paradoxal, quando digo que leio e gosto
Gosto sim, não gosto é da preguiça que sinto
Em abrir um livro e mover os olhos
Cansam-me os músculos, esta perseguição insólita
Correndo e correndo atrás de letrinhas paradas
Que não se movem, que não falam e não exalam

Quando leio, não sou eu quem lê
É a minha vontade em fazer de conta que gosto de não fazer o que faço sempre.

Escrever o que leio e ler o que escrevo e imitar quem leio e aprender a ler e entender
Que um verso escrito já não pertence mais a quem o escreveu

Eu sou eu e não me pertenço
Minha poesia é minha somente nos instantes em que está em mim
Após escrita eu sou mais dela e ela a dona
Porque não sei uma delas sequer em memória

Mas elas são certas de si
E existem sozinhas
E saídas de mim
A elas não sou mais ninguém e nada

Não me pertenço
Elas não me pertencem
Mas elas são a minha maneira
De ser eu mesmo sem sentir-me dono
Nem delas, nem de mim, sendo assim
Não pertenço.
Mas estou vivo dentro delas
E elas já não mais em mim.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sementeira

Sou terra fértil
Onde alguém pode
Depositar sementes
ou escrementos

Sempre brotarão
Sentimentos,
Ressentimentos,
Tormentos

Terreno aberto
De baixo de um céu
Repleto, de onde caem
Chuva,
Raio,
Tempestades.

Semente
Escremento
Terra
Novidade

Sou fértil e produtivo
Como terra
Como semente
Engulo dor
E não temo
Sentir a fenda
A ser aberta para vir a semente

Celebração

Escrito após ler o conto . . .

A MENINA E O VELHO de Mariela Mei na coluna CONTAÇÃO da revista digital Letras et cetera


Num olhar meu,
A cada vez mais inquisidor
Me condeno a perseguição
Deste seu um andar de adulta prematura
Fito os quadris quase em forma
Da idade de um rebento.

Meu olhar é tão oposto
Ao gosto que sinto da hóstia
Recem colocada em minha boca
Cabisbaixo retiro-me.
E já há pouco dissolvida
Continuo a me condenar
E absolver, a te devolver
Em segredo o que por instantes
Traspassado por completo sua intimidade
Em meus desejos mais sombrios e desconformes.

Enfim,
Ajoelho-me na intenção
Da penitência e não da comunhão.

domingo, 26 de junho de 2011

Fera

Uma besta
A fera
Indomada
De olho amarelo
No miolo

Alma forte
Corpo de sorte

Vicking feroz
De língua revolta
De letra solta

De coração pedrado

Enjaulado
Indominável
Abominável

A fera domada
Na delicadeza
Sutileza

Por ela
Que nem sequer é a bela
Que na unha
Dobra a fera
Amolece a pedra

Segura pela boca
A língua que fere
Pela mão detém
A fúria da fera

Que teme somente
A falta de medo

Minha inspiração

Minha inspiração tem nome
De musa, linda e feminina

Minha inspiração tem hora marcada
De madrugada
À tarde
De manhã
À noite
No trabalho
No espelho
No banheiro
No lugar
A hora que chega

Minha inspiração tem rosto
Desgosto
Muito gosto
Vocativo
De mulher
Aposto

Minha inspiração tem motivo
Sedução
Amor
Nunca paixão
Nunca vergonha
Sempre ridículo

Minha inspiração tem sabor
Doce
Amargo
A hora que chega
Pego e não largo

Minha inspiração tem regra
Discordância
Incoerência
Inconsistência
Paradoxo
Rima ausente
Vontade a vontade

Minha inspiração tem sobrenome
Dicionário
Gramática
Sintática
Raciocínio
Outros poetas, poetisas, cronistas, contistas

Minha inspiração tem personalidade
Fraca
Insegura
Sofismável
Revoltada
Inefável
Indefinida
Distorcida
Multifacetada

Minha inspiração não existe em liberdade
É feita prisioneira
Em minha vontade
E insanidade
De querer escrever compulsivamente
Sem precisar
Sem necessidade
Desde que sempre o resultado seja...

UM ABSURDO!!!

Minha inspiração responde sempre a chamada:
--Ausente!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Abaporu

Abaporu vem dos termos em tupi aba(homem), pora(gente) e ú (comer), significando "homem que come gente". (de acordo com o artigo : ABAPORU da Wikipédia)
Abaporu
Tarsila do Amaral,1928 - Óleo sobre tela - 85 x 73 cm
Coleção particular (de alguém...)

ABAPORU de Guilherme Coutinho

Dentro e fora
Sou eu, aquele que te devora
A troco de saciar minha fome
De te saber, conhecer não só como quem come
Uma prato barato da esquina

Me mata
Quem me impede
Ou fecha-me a boca
Sim, me maltrata

Sou eu aquele que está dentro
E está fora, que te corrói e assusta
Quem te devora e incorpora
Sua fome que tem sede
Que não cede tão cedo

Não quer vencer o medo
Do novo, sempre um segredo
Te devoro pela cabeça
Sem ter a pressa
Te devoro para que te conheça

E comunguemos não só pão e vinho sagrados
Nosso saber ou conhecer
Querer ver ou ter

Enquanto te degusto
Espero não ter mais a ânsia
De conhecer
Por que outros que tentei
Vomitei

domingo, 19 de junho de 2011

Ajuda de Neruda

Peço-te licença caro Neruda
Empresta-me versos
Preciso de ajuda
Os meus são dispersos
Na penumbra surgida
Em um crepúsculo
O sol tornado
Menos que inteiro
Metade
Menor
Ausente

Meu coração tomado, espremido
Por entre os dedos
Desta penumbra
Restada
Sobrada
Pós-beleza

Empresta-me este verso
Que pôs cheiro nas letras
Cores nas dores
E nomes nas penas
Resta-me o socorro em ti
Meu caro, agora ausente
Grato pela ajuda
Fez-me crepúsculo insistente
Na penumbra gélida e muda.

Noite no bosque

Lembro-me bem
Aquela noite escura
No bosque
Não tão escura assim
Uma lua, toda nua
Uma trilha percorrida
Tua pele sentida
Tocada na minha
As mãos dadas

Ambos perdidos
Caminhantes errantes
Rastro deixado
De andar pisado
Passos curtos
Passos largos

Uma noite
Em bosque enevoado
Somente um luar
Envenenado
Por um desejo
Imerecido e louco
Encontrar um caminho
De volta, sem voltas

Lembro-me bem
Daquela noite escura
Enevoada
Num bosque
Não um qualquer
Onde só havia
Malmequer
Sem caminho
Curto ou longo
Só desvios
Extravios
Dois vadios...

No trem

No trem de Guilherme Coutinho Tomaz

Num vago vazio
Vazio vagão
Do trem
Do trilho
Que trilha

Ao lado um vago
Assento vazio
Ao lado do lago
O trilho, o fio

Ao lado do vago
Vasto e fundo
Profundo e abismo
Do lado do trilho
Do trem que vem
Vagando
Vagando
Vagando
Caindo
Caindo
Caindo
Do lado
No lago
Fundo
Do fundo
Do abismo

Dum trem desgovernado
Descarrilado
De vida
Sofrida vivida
Dividida

No trilho da trilha
Que fica do lado
Do lago profundo
Do abismo do mundo

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Cinto muito

Sinto-me...
Me sinto...
Sinto
Na cintura
Um cinto.

Que me aperta
O sentimento
Os sentidos

O cinto das regras
Que me aperta,
Que me bate,
Que não deixa
As calças caírem.

Sinto muito
Muito cinto
Muito sentido
No que tenho sentido.

Sentido algum
Sentindo algo.

Penso no que sinto
Que tal um absinto?
É.
Mas não há sentido nisso.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Meia dúzia de prazeres

Intervalos esparsos
Entre momentos de trabalho,
De lida tranqüila.

Sobra-me um tempo furtivo
Para uma lida,
Meia dúzia de poetas e poetisas.
Meu desejo é cem, não tenho tempo,
Há trabalho a fazer.

Gosto de café amargo
Mas de versos doces
Como os de Cora Coralina
Gostaria que fossem meus
Mas são de fato
Talvez mais eu deles
Do que eu de mim mesmo.

Tive meia dúzia de prazeres.
Se tivesse lido cem deles
Cem mil vezes prazer teria
E não saberia o que fazer
Com tanta euforia,
Seria impossível trabalhar.

sábado, 28 de maio de 2011

Entrelinhas

Entrelinhas
Entre as linhas
Não há nada!

Somente um espaço em branco,
Ou se estiver escrito, entre as linhas existem letras,
Aglutinadas.
Palavras.
Pontuação.

Entre elas não há significado.
Há sobre elas.
No que está escrito em cima delas.

Entrelinhas
Retas ou tortas
Só existe o que
Supostamente existe.

Existe o que não escrevi
O que não pensei
E o que ninguém vai encontrar.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Definição

“A poesia não se entrega a quem a define.” (Mário Quintana)

Que alívio!

Vivo escrevendo
Sobre escrever
Vivo escrevendo
Que não sou poeta
Que não sei fazer poesia
Vivo tentando
Significar a poesia
Vivo tentando,
Tentando...

Tento viver
Sem querer
Sem escrever
Sem ler.

Talvez por isso não se entregue a mim.
Jamais vou parar de tentá-la
E cada vez menos entendê-la.

Desafio-te então poesia:
Defina-me!

Não me considero poeta

E nem escritor
Sou apenas um ser,
Sentimentalóide
Que comprou um caderno
E uma caneta.

Que um dia sentou na sarjeta
Sem caderno sem caneta.
Que um dia teve pena de si
E resolveu escrever sobre isso...

E desejou ser poeta escritor
E menos mentiroso.

O caderno e caneta eu ganhei.